Nota Pública de Repúdio da AMPID ao Decreto Nº 10.502/2020

Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID, ao tomar conhecimento da publicação do Decreto nº 10.502/2020, de 30.09.2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, REPUDIA-O à luz das normas constitucionais e legais, pois verifica uma afronta desmedida à Constituição da República, à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e à Lei nº 13.146/2015, em flagrante retrocesso às conquistas obtidas em relação ao direito humano à Educação Inclusiva:

CONSIDERANDO que a Constituição da República estabelece como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e como um dos seus objetivos fundamentais o de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV), além de expressamente declarar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º, caput);

CONSIDERANDO que a Constituição da República, no artigo 205, estabelece que a Educação é direito de todos, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho;

CONSIDERANDO que a Constituição da República, no artigo 208 inciso III, prevê a garantia do atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009) com status de norma constitucional, em seu preâmbulo, reconhece “que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano” (alínea h) e  “a necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio” (alínea k);

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência dita que “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, como o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, social, civil ou qualquer outro. Abrande todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável” (artigo 2).

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os direitos das Pessoas com Deficiência no artigo 3, referente aos Princípios Gerais, traz como princípios: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade;

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estabelece que os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo (artigo 5, item 2);

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estatuiu que os “Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei” (artigo 5, item 1), que os “Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação” (artigo 24, item 1), e que para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os “Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida” (artigo 24, item 1);

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estabeleceu que Estados Partes, para garantirem o direito à educação das pessoas com deficiência, assegurarão que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena (artigo 24, item 2);

CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 04 – Obrigações gerais – faz constar que “Os estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência, sem qualquer tipo de discriminação pro causa de sua deficiência” de modo a: “Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção” (Artigo 4, item 1, a);  “Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência” (Artigo 4, item 1, b); “Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência”(Artigo 4, item 1, b); “Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente convenção” (Artigo 4, item 1, d);

CONSIDERANDO, ainda, como obrigações gerais assumidas pelos Estados Partes (Brasil) ; “Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada” (Artigo 4, item 1, e), além de “Na elaboração e implementação de legislação e políticas para aplicar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes realizarão consultas estreitas e envolverão ativamente pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representativas” (artigo 4, item 3);

CONSIDERANDO que a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), elenca, em seu artigo 27, que “A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem, complementando, em seu parágrafo único, que É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”;

CONSIDERANDO que a Lei nº. 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), em seu artigo 28, incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; (…) V – adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino; (…) VII – planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva; VIII – participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; IX – adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência; X – adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; (…) XIII – acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas(…).

CONSIDERANDO que a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) também define, em seu artigo 4º, parágrafo primeiro, que “Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”,

CONSTATA-SE que o regulamento interno brasileiro – o Decreto nº 10.502/2020 – viola a proteção aos direitos humanos presentes na Constituição da República e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; fere o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao assinar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que dispõe sobre direitos humanos; violenta o sistema jurídico brasileiro no qual a referida Convenção está incorporada com o status de norma constitucional que obriga e estabelece o sistema de ensino inclusivo em todos os níveis, único modelo que atende aos princípios e disposições nela contidos, corroborando com o que está disposto em nossa Carta Magna.

Significa dizer que o Decreto nº 10.502/2020 deve ser declarado inconstitucional e expurgado da legislação brasileira, com a maior urgência possível.

Só assim, não gerará causa e efeitos nocivos de discriminação, de quebra de igualdade de oportunidades e de falta da acessibilidade às crianças, jovens e pessoas adultas com deficiência.

Brasília, 02 de outubro de 2020.

Maria Aparecida Gugel
Presidenta

Gabriele Gadelha Barboza de Almeida
Vice-Presidenta

Rebecca Monte Nunes Bezerra 
Conselho Técnico Científico

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