Força-tarefa resgata dois trabalhadores em situação análoga à de escravo na serra catarinense
O empregador assinou TAC para indenizar os resgatados e regularizar a situação de outros empregados que estavam sem registro profissional
Lages - Uma força-tarefa do Grupo Especial de Fiscalização Móvel resgatou dois trabalhadores que viviam em situação análoga à de escravidão, numa propriedade de cultivo de cebola em Bom Retiro/ SC. A operação ocorreu de 7 a 14 de janeiro, após denúncia encaminhada à Procuradoria do Trabalho no Município de Lages. A operação contou com a presença de integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU), da Auditoria Fiscal do Trabalho (AFT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Na notícia de fato (NF) o grupo conta que chegou em Santa Catarina em setembro do ano passado para fazer a poda seca em um pomar de maçã, em São Joaquim/SC. Pagaram R$ 700,00 pelo transporte de um ônibus clandestino vindo de Centro Novo/MA, com a promessa de ganhar mensalmente 1.400,00, livre das despesas com moradia e alimentação. Passados dois meses foram dispensados sem ganhar nada pelos serviços prestados e deixados na rodoviária do município onde receberam do mesmo aliciador que os trouxe do Maranhão, uma nova proposta de trabalho.
No relato contam que logo em seguida foram levados de táxi até uma propriedade em Bom Retino/SC, por ordem de Carlos Donizete de Jesus, dono das terras, conhecido como “Pina”. Começava ali mais dois meses de atividade irregular pela qual receberiam R$ 2,00 (dois reais) por saco de cebola colhido, com jornada das 6h às 18h30. A alimentação se resumia a um pão com mortadela no café da manhã e purê de batata ao meio-dia. Eles não tinham carteira assinada, nem receberam EPI (Equipamentos de Proteção Individual).
Após a denúncia feita no MPT em 02/01/2023, nos dias 6 e 7 de janeiro a equipe de inteligência da Polícia Rodoviária Federal - PRF de Santa Catarina fez o rastreamento e conseguiu as coordenadas de 3 alojamentos de responsabilidade do empregador Pina.
No primeiro alojamento a equipe de fiscalização encontrou 17 (dezessete) trabalhadores, na maioria oriundos do Nordeste do Brasil, que afirmaram estar trabalhando para o senhor Pina há 4 dias, mas sem registrados e receberiam por produção na base de R$ 2,00 (dois reais) por saco de cebola de 30kg colhido, R$ 3,00 (três reais) por saco de cebola de 40kg colhido e R$ 4,00 (quatro reais) por saco de cebola de 50kg colhido. O alojamento, uma casa de alvenaria em péssimo estado, possuía apenas um banheiro. A água encanada vinha provavelmente de um poço, e segundo foi apurado apresentava um "gosto ruim". As camas eram em número insuficiente obrigando muitos a dormirem em colchões diretamente colocados no chão do imóvel.
Dentro de um ônibus utilizado pelo patrão para transportar os trabalhadores até as lavouras estavam dois homens que contaram estar alojados em outro local com mais 7 (sete) pessoas. Chegando na propriedade, a equipe identificou as condições degradantes de trabalho e de vida dos trabalhadores. Os outros que deveriam estar na casa haviam saído ou foram retirados do local, antes da fiscalização chegar. Foram encontrados somente os pertences pessoais dos dois que estavam no ônibus.
Este segundo alojamento, era uma casa "meia água" de madeira com frestas, construída no meio de eucaliptos, com cobertura de telhas de fibrocimento. Não havia água corrente, nem instalação sanitária. A água disponibilizada vinha de um poço e era utilizada pelos trabalhadores tanto para beber quanto para cozinhar. Da mesma forma, os obreiros também usavam a água para higienização do corpo, das mãos, de roupas e utensílios de cozinha. A água era transportada do poço até o alojamento em um galão de 20 litro. O banho era tomado e as necessidades fisiológicas feitas no mato, inclusive à noite, sem qualquer conforto e privacidade.
Na casa onde dormiam em um triliche, sem armários individuais para a guarda de objetos pessoais, local adequado para higienização das roupas e utensílios de cozinha, e para o armazenamento, preparo e a tomada das refeições, eram armazenados os agrotóxicos utilizados na plantação da cebola. Os dois trabalhadores foram resgatados e os demais seguem desaparecidos. As diligências continuam e em breve eles devem ser alcançados pelo MPT para serem retirados com segurança da região. Dentre eles, dois do Mato Grosso do Sul que conseguiram fugir, denunciaram o caso à polícia e buscaram uma rede de televisão do estado para fazer a denúncia (https://globoplay.globo.com/v/11306585).
No último alojamento inspecionado estavam 7 (sete) trabalhadores, sendo 6 (seis) oriundos de Bernardo de Irigoyen, cidade da Argentina que faz fronteira seca com Dionísio Cerqueira/SC, e não haviam feito os procedimentos de ingresso no País. Nenhum destes trabalhadores possuía registro e a remuneração também era por produção nos mesmos valores dos demais.
Diante de todas as irregularidades apuradas, o empregador Carlos Donizete de Jesus, notificado em 2021 pelas mesmas infrações, foi preso em flagrante. No entanto, foi solto no dia seguinte depois de pagar fiança. Responderá em liberdade pelo crime previsto no Artigo 149 do Código Penal. Ele assinou um termo de juste de conduta (TAC) perante o Procurador do Trabalho Mateus de Oliveira Biondi, representante da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo). A multa é de RS 4,5 mil de verbas rescisórias para os dois trabalhadores resgatados e mais R$ 500 de dano moral individual. O empregador também teve que registar todas as 33 pessoas localizadas em suas propriedades fazendo a colheita de cebola.
De acordo com o Procurador Mateus, a atuação da força-tarefa foi uma resposta rápida das instituições para essa grave violação dignidade dos trabalhadores. “Situações como essas devem ser notificadas ao Ministério Público para que possam ser investigadas o quanto antes”, alertou.
Fonte: Assessoria de Comunicação MPT-SC
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Publicado em 24/01/2023